Passar para o conteúdo principal

Publicado: 08.11.2013

Ser jornalista multimédia é bem mais fácil do que explicar o que é ser jornalista multimédia. Até porque me tornei jornalista multimédia pela mesma razão que me queria tornar jornalista: contar as histórias à minha volta, revelá-las, conhecê-las. E fazê-lo com criatividade, com profundidade. Para além da escrita, interessei-me cedo pela linguagem do vídeo e da fotografia e isso ajudou quando comecei a trabalhar como repórter multimédia no SAPO Notícias há 7 anos. O resto foi partir pedra. Aprender com os erros. Experimentar. Crescer ao mesmo tempo que crescia o online em Portugal. Da altura em que os sites se limitavam ao ‘shovelware’ – a transpor o que tinham nas suas edições impressas para os seus sites – ao acordar para uma realidade exclusivamente online, imediata e de actualização permanente e que trocou as voltas ao jornalismo e aos jornalistas. Tiveram de se adaptar, criar novos horários, reorganizar redacções. Passou a fazer sentido que um jornalista conhecesse elementos básicos de programação, soubesse construir fotogalerias, fazer upload de um vídeo. E os erros começaram aí também: querer transformar todos os jornalistas em canivetes suíços, independentemente da história ou do contexto.

Ser jornalista implica ser mais versátil, sim, mas não que tenha de fazer tudo ou deva fazê-lo. Acredito que a chave está na inovação e na colaboração. Em equipas multimédia. Dominar o meio online em que nos movemos é essencial, mas nem o jornalista nem o multimédia deve "ir a todas". Ou seja, nem o jornalista multimédia conseguirá, com qualidade, fazer todas as histórias utilizando todas as suas capacidades multimédia, nem todas as histórias devem ser multimédia. Há poucos dias, o escritor angolano Ondjaki, acabado de vencer o Prémio Literário José Saramago, dizia que as histórias que contava é que pediam para ser como eram: se eram conto, poesia ou romance. No jornalismo multimédia é o mesmo. As novas tecnologias abriram um espaço imenso para a experimentação e possibilidades de contar a história com vários elementos, várias camadas. Mas isso não se aplica a toda e qualquer reportagem. Tem de haver uma escolha. O multimédia não pode ser ruído. E é o conteúdo que tem de determinar a forma e não o contrário.

É esse espaço de experimentação que o online abre que a mim sobretudo me interessa. A diversidade de plataformas e de tecnologias à disposição do jornalista e das equipas multimédia permitem pensar em contar uma história com interacção e imersão, envolvendo várias elementos (som, imagem, gráficos). É esse o caminho que publicações de referência como o New York Times ou o The Guardian estão a seguir, com sucesso. Mesmo que a rentabilização desses conteúdos esteja ainda longe do desejável, são diferenciadoras e atraem mais leitores, espectadores, ouvintes. Os modelos de negócio podem estar em crise, mas acredito que o bom jornalismo não está. Os leitores querem jornalismo de qualidade, seja numa folha de papel ou num ecrã. Foi com essa convicção que construí um webdocumetário sobre uma casa de madeira na Cova do Vapor, na Trafaria. À semelhança de muitos e bons trabalhos que se fazem fora, queria explorar o potencial de interactividade e imersão ao longo da narrativa. Desde logo na apresentação aos leitores: a casa iria abaixo e na homepage do PÚBLICO criámos um "countdown" para o dia da demolição: "Faltam x dias para a casa ir abaixo". Mas também, por exemplo, através de um sistema de geolocalização em que à entrada do webdoc dávamos a distância a que o leitor estava da Cova do Vapor consoante a sua localização: fosse ela Lisboa, São Paulo, ou Berlim. A Casa do Vapor continuam ainda agora, um mês depois de ser publicada, a ser partilhada. Houve até uma petição online para a casa não ir abaixo. Acredito que o impacto que a reportagem conseguiu tem muito a ver com a forma como foi construída e apresentada. Na reportagem da Casa do Vapor produzi a história, filmei-a, editei-a. Escrevi uma versão em texto para o papel. Concretizámos, no PÚBLICO, este webdoc com uma equipa mínima (que envolveu além de mim um programador/webdesigner e uma webdesigner). Fomos todos canivetes suíços porque nos desdobrámos em empenho, dedicação e funções, mas não porque tenhamos "desenrascado" alguma coisa que tem vídeo e som para colocar online. Ser multimédia é ser canivete suíço. E não é.